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sábado, 28 de novembro de 2009

Os Passos Lá Fora- Parte 1

Escuto passos do lado de fora da casa. Assustado, me esgueiro covardemente pelos cantos. Tenho medo. Meu coração não se refreia, ele pulsa incessantemente, parece buscar caminho de saída pela minha garganta. Os passos, os passos que não cessam. Sei que os ouço, eu sei! Não pode ser apenas outro delírio da minha mente, não agora quando tudo ia tão certo, tão... normal. Sei que os passos lá fora são reais. Mas o que é real? Será que as pisadas no chão do lado de fora da casa são reais? Será que o ranger da porta da frente é real? Será que as gargalhadas que soam como risos do demônio são mesmo reais? Será que o sangue que tinge de rubro o assoalho é real? Por que esse medo incontrolável de simples... passos? Que merda de homem sou para ter medo de simples passos do lado de fora da casa?
Enfim, é mais forte que eu. Eu consigo chegar no quarto, após alguns ridículos momentos de tentar andar, cair, rastejar e me arrastar pelo chão sujo. É tão indigno quanto me acovardar para passos, mas é incontrolável, é simplesmente indiferente à minha vontade. Sou um louco ou um covarde? Sou ambos? A cama desarrumada me parece atrativa, talvez eu possa simplesmente me enfiar por debaixo dos lençóis, dormir e acordar para a realidade. Sim, talvez tudo isso seja apenas um grande pesadelo, um pesadelo do qual possa fugir simplesmente dormindo. Dormindo para acordar de novo. Não, não pode ser tão simples assim. Não quando se escuta tão claramente o uivar dos cães do Inferno. Serei eu caçado pelo próprio Cérbero? Serei eu levado para o submundo pelo negro cão do hálito de fogo? O que está acontecendo, por que estou transformando simples passos em um cenário diabólico? Maldita imaginação, que arranquem-na de mim e que me separem de minha criatividade doentia. São só passos. Talvez eu deva parar de tentar me esconder e ir lá fora ver o que é. Afinal, são PASSOS, não corcéis demoníacos trotando em minha direção para me carregar para os braços de Satã, nem gárgulas petrificadas voando até onde me encontro para me fazer em pedaços e dar os restos aos corvos. Sei que são só passos. Deve ser apenas um moleque que pulou o muro e veio catar algumas frutas frescas na árvore. Essa rua não tem uma vigilância decente mesmo. Ou então um gato que pulou o muro e agora passeia inocentemente sobre as folhas caídas. Deve ser qualquer coisa, EXCETO qualquer tipo de manifestação doentia e insana. Eu estou curado, eu tenho certeza!! Os meus delírios ficaram no passado, é um fato incontestável, não há mais nada de errado comigo...
Ei, os passos silenciaram. Bom sinal, acho que minhas condições mentais normais voltaram. Recobrei minha sanidade. Era só um pequeno distúrbio da minha mente cansada, desde o começo sabia que não haveria de ser nada grave, apenas o fruto de alguns dias extremamente cansativos. Nota mental: procurar uma clínica de descanso amanhã mesmo. Uns dias de total descanso do stress do cotidiano devem me revigorar completamente, me fazer esquecer as impressões falsas, as alucinações, as visões. E os sonhos. Os malditos sonhos de degradação. Os malditos sonhos de dor. Os sonhos malfadados de agonia, desespero, frustração, perda interior. Sem mais nenhum sonho com demônios e Inferno, sem mais nenhum sonho com espíritos devoradores de alma. Sem mais sonhos ruins com...
Droga, a porta rangeu!!! Não era só a merda de um sonho, eu sei!! Essa merda é real, está aqui, está atrás de mim, seja o que for. O barulho veio lá da porta da frente. Eu aqui, escondido no quarto como um rato assustado, e algo entrando. Por favor, que seja só um sonho... Eu só quero acordar... acordar... acordar...
Pego uma tesoura de cima do criado mudo, bem ao lado da cama. Ela é afiada, talvez possa me proteger, talvez possa furar o que for e me salvar. Talvez tudo fique bem, e talvez eu sobreviva ao que for. Sim, eu posso ser imortal!! Posso vencer qualquer coisa, basta eu largar esse medo infantil como um trapo velho no chão, me despir de covardia e temor irracional, eu sei que posso vencer. Seguro firme a tesoura na mão, marco minha mão de tanta pressão que coloco na tesoura. Saio calmamente do quarto, deixo meu instinto me guiar pelo breu da sala ate chegar na porta da frente. A porta continua fechada, talvez eu esteja seguro, talvez seja SIM um delírio, somente. Ou não.
É tarde para fazer qualquer coisa quando sinto o movimento atrás de mim. Algo se move rápida e sorrateiramente, envolve meu pescoço com um braço, tapa minha boca. Eu me sinto apavorado, tento gritar, clamar por ajuda. É em vão, totalmente em vão. O braço aperta meu pescoço com força incalculável, sinto o ar se esvaindo, tudo ao meu redor girando. O oxigênio fica escasso, tudo começa a escurecer, a sensação de desapego ao meu corpo e à realidade toma conta. Finalmente eu apago.

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